Capítulo 16 - Êvanes
O iate se aproximava da Lagoa dos Patos. Vinicius deixara Cláudio e Vitória nos lugares especificados e conduzira sabiamente à embarcação a nova capital do Rio Grande do Sul. Deixando seu amigo Cássio na direção, fora a proa com sua flauta tocar uma canção a qual era internacional. Uma Italiana. Uma que tocava o coração das pessoas não importava sua crença ou religião, até mesmo se ela era ateísta. Ave Maria.
Uma canção que se tocada no passado traria esperança, mas que agora, numa situação daquelas era mais como um agouro. Uma música a qual facilitaria a passagem das almas para o céu. Ou, para aqueles mais céticos, uma a qual respeitava os mortos e trazia paz interna a um coração aturdido por diversos medos e receios. Era sublime. Pam acompanhava ao longe, o paraense escutava e fechava de vez em quando seus olhos.
O baiano chorava tocando. Lágrimas caíram de seus olhos. Talvez finalmente superando aquilo que teria sido a morte de duas amigas próximas. A mixagem de sentimentos era incrível. Tristeza, lamento, murmúrio, conformidade, ódio, amor. Tudo isso misturado à música cujos timbres fraquejavam dado estado com o qual Vinícius se encontrava. Planos e Planos só dariam certo, se tivessem pessoas com quem ele pudesse compartilhar os resultados. Não adiantava ele arquitetar nada. Não adiantava fazer nada se no fim, ele ficaria sozinho. Talvez o medo de entrar no território propriamente dito fosse à causa. Ou talvez fizesse aquilo tudo para fugir de enfrentar a realidade. Tudo aquilo era uma incógnita que passava invariavelmente sobre sua cabeça.
Divergentes, vírus zumbi, Thanatos, sobrevivência, apocalipse... Ele era um simples economista quando quem deveria estar enfrentando aquilo tudo deveria ser um cientista – seja ele físico, seja ele biólogo. Porém tudo fazia parte do plano de seu antigo amigo britânico cujo objetivo era simplesmente destruir a humanidade. Um passo de cada vez. Um plano o qual levara vinte anos para ser concluído. E agora ele espera que em menos de dois anos, uma humanidade fosse reerguida? Era uma esperança que morreria na praia. Não viveria para ver uma nova sociedade. Nem seus filhos, netos e bisnetos. Cem anos era pouco a reerguer uma sociedade.
Seu irmão, ás vezes sábio, dizia a verdade a respeito da humanidade. Quatro mil anos de história não podem ser reconstruídos em apenas quatro anos. Só ele mesmo atentava para um fato que os povos antigos não tinham: Conhecimento passado. A cada descoberta, os registros faziam que ninguém esquecesse. Ou seja, mesmo que uma sociedade entrasse em retrocesso haveria conhecimentos os quais fariam os humanos se reerguerem rapidamente. Um exemplo que seu irmão usara era a da programação. Onde adolescentes poderiam saber mais de que suas contrapartes mais velhas. Algo incrível e que não poderia ser imaginado no passado, onde os mais velhos era os melhores.
Às vezes ele se apegava a isso. Só que tinha quase certeza que não aconteceria. Nada mudaria. Ainda que uma possível cura surgisse... Como fazer para alcançar todo o escopo de uma população? Como fazer para livrar a sociedade do mal que era o supervírus Krocodil H? Perguntas permeavam a cabeça à medida que ele aportava em Rio Grande, uma cidade portuária que servia de sede a mais bem organizada resistência.
Chegaram ao local no inverno e o frio batia as suas costas e peito. Usava dois casacos de lã brancos e calças grossas para frio. Um sapato branco completava a aparência de um anjo vindo dos céus, pois o visual todo claro contrastava com o por do sol na cidade. Por ser do Nordeste, Vinícius nunca se acostumara com o frio do Rio Grande. Pâmela usava um grande casacão negro com gorros e cachecóis enquanto Cássio seguia a linha de sua companheira com gorros, luvas, cachecóis e um grande casaco de lã. O frio para eles era mais forte do que para as pessoas ali. E isso era normal para um jovem que nunca vira uma temperatura abaixo dos dezoito, e um rapaz que vivia no Norte, cujas temperaturas sempre beiravam dos vinte e cinco para cima.
Assim que desceram foram recepcionados por Bruno Portinari e seu uniforme característico. Contudo, a atenção de Vinicius virou-se a duas garotas. A primeira, mais alta, de cabelos lisos castanhos que vestia um casaco de couro bege e uma blusa de lã cujas mangas eram longas. Uma calça legging preta e um salto alto preto completavam o visual. A da esquerda, mais baixa e magra, vestia uma camisa de uma banda famosa de roque e uma calça jeans juntamente a um tênis e portava uma mochila as costas. Seus cabelos eram encaracolados e sua maquiagem a deixava bonita. Como ela sempre dizia: Uma diva.
– Marcela e Bianca – Vinicius sorriu – É um prazer finalmente conhecê-las...
Bianca correu ignorando seus saltos e abraçou forte o baiano que acabara de chegar.
– Vini! – ela sussurrou em seu ouvido – Eu sei o que você fez e deixou de fazer. Sei que você pediu um favor ao Bruno para nos treinar e nos deixar capazes... Eu só posso te agradecer por tudo.
– Bia...
– Não. – ela se afastou um pouco e tocou em seu rosto – Agora é minha vez de ajudá-lo, não é Maa?
– Com certeza. Não vou deixar você divar sozinho – Marcela caminhou em direção a Cássio e a Pâmela. – Maninho! Pam!
E enquanto Marcela interagia com a pessoa que ela considerava um irmão mais velho e a capixaba que ela sempre conversava quando na época dos grupos de aplicativos no celular, Bianca observou os olhares do general e do soteropolitano.
– Você tem novas informações não é?
– Quando eu vim sem informações?
Os dois começaram a caminhar em direção ao grande edifício, iriam andando assim discutiriam melhor sobre o conhecimento compilado. Só que a paulista nascida em Piracicaba não deixou os dois distanciarem muito de seu campo de visão e audição. O baiano se virou para trás enquanto a garota colocava as mãos na cintura.
– Treinei por dois meses intensivamente. Você não vai me deixar de fora não é Vini?
– Ela se tornou a nossa melhor guerreira, economista – sorriu Bruno para o seu amigo – Aprendeu muito rápido tudo o que oferecemos. Eu a consideraria uma gênio ou uma prodígio.
Bianca esboçou um leve sorriso pelo elogio. Vinicius então só abaixou a cabeça em negação e iniciou a conversa a respeito da próxima parte de seu plano.
– Preciso encontrar meu irmão Êvanes agora – disse o baiano colocando as mãos para trás – Ele sabia mais do que eu imaginava.
– Como assim? – o general tocou em seu bigode indagando.
– Analisando as frases dele para mim antes do apocalipse pensei nisso. As sentenças e analises dele até agora estão praticamente perfeitas, quase como um oráculo e nós sabemos que isso não existe. A não ser...
– Que ele sabia de algo que não sabemos.
– Meu irmão era um dos especialistas que estudava o Krocodil e trabalhou independentemente junto a outros cientistas. E depois que Eric Hatchman, o Thanatos, mesclou a droga a um vírus ele começou a dizer essas coisas para mim.
– Então o que você acha?
– Que a natureza não deu assim de bandeja muitos divergentes – Vinicius se virou a Bianca e a Bruno – Eu acho que ele sabe como criar divergentes...
– Como assim?
– A pergunta certa não é essa... Você deveria se perguntar como eu deduzi isso...
Uma resposta que poderia mudar o destino de um mundo em caos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário