Capítulo 19 - Bandeira Negra
Vitória Freitas caminhava tranquilamente pelas ruas de Ilha Comprida. Sua espada afiada as costas e duas pistolas de fácil manuseio davam o tom de sua força. Provavelmente pela sobrevivência durante um mês no meio do continente a pessoa que a salvara da morte certa a escolhera por ser a mais forte do grupo. Só que frequentemente se perguntava se conseguiria derrotar um assassino como o “Bandeira Negra”.
Segundo suas investigações – nelas faltavam relatos verídicos das ações tomadas por cada um dos interlocutores – Bandeira era uma pessoa negra, de estatura mediana para os padrões humanos, só que com uma habilidade incrível quando o assunto era armas brancas. Sempre derrotara seus inimigos e seus corpos eram massacrados pelos famintos infectados. Um diário – ela achou aquele em específico mais verídico – contava que o Bandeira Negro tivera sua família aniquilada por uma organização sobrevivente. Aniquilada da mesma forma que Juno fazia com suas pessoas mais fracas. Ainda de acordo com o diário, ela passou a treinar com um desconhecido de sobrenome “Prado” e com isso ficou mais forte, mais capaz e com uma sede de vingança implacável contra a resistência que jogou sua família na sarjeta. Ele conseguiu rastrear e matar todos um a um, sempre utilizando um idêntico modus operandi. Atrair, duelar, vencer e deixar o oponente a morrer. O diário dizia que fazia questão de assistir a agonia das pessoas mortas e ver de perto o rosto de um inimigo quando a morte viera a abraçá-lo.
As ordens de seu benfeitor eram estritas: investigar quem era o assassino, galgar seus motivos para estar matando humanos e por fim fazer um ultimato. Une-se a nova sociedade ou deixe-a em paz. Não caberia bem uma pessoa de índole perturbada livre, matando pessoas – estas podendo ser usadas a recriar um novo povo. Unido e capaz de enfrentar a verdadeira ameaça. Vitória particularmente não compreendia o porquê existiam pessoas com a audácia de atacar umas as outras enquanto mortos-vivos batiam a porta da humanidade pedindo passagem. O bilhete premiado era a passagem ao inferno proporcionado a aqueles que estavam no purgatório que era o mundo naquele momento.
Caminhando pela Avenida Beira Mar, a garota morena, gaúcha e de cabelos lisos avistara um posto de salvamento dos bombeiros. Era no entroncamento rodoviário entre a referida avenida e a Avenida Copacabana. Lá viu uma bela moça negra lutando incessantemente contra um homem encapuzado. O cansaço era visível na garota, talvez não fosse treinada e por isso gastava mais energia do que seu oponente que só fazia esquivar de seus socos fracos e chutes sem direção. Pás e pedras encontravam-se espalhadas pelo chão e com certeza haviam sido usados como armas. Ela ameaçou se aproximar sorrateiramente, porém o problema iniciou-se quando um sino – localizado dentro do posto de salvamento – começara a tocar em direção a cidade.
Isso chamaria a atenção de qualquer horda que estivesse naquela localidade. O jeito de ele matar as pessoas era diferente, como se não sujasse suas mãos. Como se quisesse cansar seu oponente e fazer com que ele não tivesse forças para lutar com o que viria a seguir. Muitos relatos, poucas informações, somente uma observação. Aquele homem não era nenhuma pessoa comum...
Vitória imediatamente após o toque correu em direção ao embate poucos metros a sua frente. O assassino viu e lançou adagas em sua direção. A garota deslizou com os joelhos visando esquivar-se, porém ao levantar observou que aquele rapaz já havia dobrado a esquina da primeira rua. Observando as joelheiras usadas saírem da calça devido ao deslize ter rasgado-as, a bela gaúcha de um metro e setenta e três se aproximou da bela afrodescendente.
– Seu nome? – disse estendendo a mão.
– Meu nome é Lídia. – ela disse aceitando a gentileza da garota – Lidia Ruanny.
– Seu segundo nome é interessante – sorriu a garota conhecida como Vivi ou Vic pelos seus amigos.
– Todo mundo nem se lembra do meu segundo nome.
A garota ainda estava ofegante.
– Mas o que foi aquilo?
– Aquele cara matou todos meus companheiros ao jogá-los contra uma horda inteira. Explicaria melhor, porém temos que sair desse local o quanto antes...
Vitória entendia. Todavia, não tiveram tempo hábil para a fuga. A Lei de Murphy voltava a atuar novamente. Um protagonismo exacerbado a fez achar uma amiga e o “Bandeira Negra”, de mesma forma que, não há situação ruim a qual não possa ficar pior, essa era a leia vigente. Num apocalipse uma pessoa sempre deveria esperar a atuação dessa lei imaginária. Um pessimismo grandioso para saber se preparar pelo pior. Seu benfeitor dizia que essa lei tinha uma falha: a esperança. Se você realmente esperasse pelo melhor, e se preparasse para o pior, determinada pessoa poderia até, inclusive, ascender ao poder divino.
A cansada Lídia foi oferecida a espada de Vitória à medida que esta última retirou as duas pistolas dos coldres localizados na cintura. Com um grito as duas correram na direção da Avenida Beira Mar, afinal numa via como aquela facilitaria a fuga das duas. A mulher de cabelos morenos ia à frente enquanto a gaúcha companheira do “Obreiro” cobria a retaguarda. Uma nova história começava para Vitória Freitas e ela começou a se indagar se Vinícius Ribeiro teria feito aquilo propositadamente. Ela sempre se pegou perguntando se seria útil a alguém nesse novo mundo. Se não tivesse alguém... Por que sempre ela a ser salva? Essas perguntas talvez fossem respondidas se ela cumprisse aquela missão. Apesar de excêntrico, o baiano dera um novo destino a sua pessoa. Caberia a ela mesma agarrá-lo ou simplesmente modificá-lo.
E a segunda opção não era tão má assim.
***
Anny guiou Cláudio para fora da cidade em seu carro. Trocaram ideias, informações entre outras coisas. Ele acabou sabendo que o mestre da garota que o derrotara tinha feito um contra reagente. O problema é que ao ser usado nas primeiras cobaias teve o efeito inverso do Krocodil H e acabou as matando rapidamente. O reagente atacava somente as funções cerebrais humanas, alvo do princípio ativo do vírus que acabara por aniquilar quase toda uma humanidade. Nisso, já estavam sendo criados cartuchos cujo intuito era de utilizar de maneira indolor contra os mortos-vivos. Só que Iguape não tinha tecnologia a isso. Brigas internas ocorreram e Êvanes se viu a se retirar da localidade dizendo que iria melhorar a enzima reagente.
Nunca mais voltou. Anny foi atrás dele, mas também a declararam desertora e capturando um dos vários rebeldes – termos dela – que enfrentou durante esse tempo, descobriu que ele fora expulso. Isso a deixou vagando a cidade a procura de respostas. Nessa época, da chegada do capixaba, da chegada de um divergente. Ela compilara vários dados da pesquisa de seu mestre e relatos seus sobre o vírus e o reagente, porém não tinha cacife suficiente a analisar e procurar uma resposta. Esperava que ele desse essa tal resolução ao caso.
E deu de certa forma. Cláudio não entendia nada daquilo – em suas palavras era um homem de ação – mas seu mestre e de certa forma uma figura paterna deveria saber o que fazer com aquilo. Quando citou o nome do “obreiro” como o responsável por fazer com que ele estivesse ali, a garota praticamente chorou de felicidade e o jovem sobrevivente se perguntou que símbolo era o “Obreiro” e por que Vinicius não tomava partido de ser realmente o “Obreiro”...
– Anny! Estamos indo para onde?
A indagação de Cláudio foi feita quando viu a placa de que eles estavam saindo de Iguape.
– Para Ilha Comprida.
– Por quê?
– Agora que sei onde eu procurar minhas respostas, eu não deixaria minha amiga para trás – Ela parou o carro no acostamento – Só um momento.
A aprendiz de um dos homens que mudaram o mundo pegou as pastas de suas anotações.
– Aqui está tudo. Agora me ajude.
Cláudio simplesmente jogou de volta a pasta no porta-malas.
– Vamos então salvar sua amiga. Deixarei as informações para meu mestre.
E acelerando um Monza do ano de noventa e seis, Anny e Cláudio foram em direção à ilha dos sinos. A ilha em que estava Vitória. A ilha da morte como poucos a conheciam...
Quatro almas contra um homem.
A saga deles contra o “Bandeira Negra” só estava começando...
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